terça-feira, junho 24, 2008

De volta à vida urbana

Acordei às sete da manhã e notei que estávamos parado. Do lado de fora do ônibus, três pessoas conversavam em círculo, todas com os braços cruzados e os músculos contraídos por causa do frio. Olhei ao redor, e observei um letreiro que anunciava: “Rodoviária de Nazca”. Enfim, já estávamos na famosa cidade vizinha às Linhas de mesmo nome. ‘Las Lineas de Nazca’ (As linhas de Nazca) são gigantescos desenhos de origem desconhecida que podem ser visto por meio de um vôo baixo pela região. Infelizmente não tivemos tempo para parar naquela cidade, mas quis o destino que eu, pelo menos, guardasse uma imagem do lugar.

Logo que o ônibus voltou a rodar, caí novamente no sono. Quando acordei já estávamos numa estrada de pista dupla, o que significava que nos aproximávamos de Lima. O cenário era incrível – com exceção do mar, ao lado esquerdo, tudo ao redor se resumia a areia. A paisagem parecia meio opaca, já que o céu insistia em permanecer nublado e os poucos raios de sol que rompiam a barreira de nuvens tentavam colorir os elementos.

Foi mais ou menos neste instante que a rodo-moça nos serviu o café da manhã. Logo em seguida, o tradicional bingo da Cruz del Sur, valendo uma passagem de Lima para Arequipa. Da mesma forma que na viagem anterior, ninguém de nós conseguiu fechar a cartela. Desta vez eu fui pior ainda. Vale lembrar, de novo, que de nada valeria esta passagem já que deixaríamos o país por vias aéreas dali a três dias.

Fiquei sentado no banco, vendo a rodovia e comemorando o fato de ser nossa última viagem de ônibus. Nem percebi quando a areia ao lado foi se transformando em casas e, depois, prédios indicando que já entrávamos na capital peruana. Não demorou e o ônibus pegou uma grande via expressa e seguiu em frente. Em poucos minutos, entrou em um terminal privado da própria empresa. Um passageiro, que conversava com a Lucimeire, nos alertou que era melhor descermos ali, ao invés da rodoviária, já que íamos para o bairro de Miraflores. Assim foi feito.

Depois de 21 dias tínhamos o prazer de chegar em uma grande cidade de fato. Lima tem aproximadamente oito milhões de pessoas, isto sem contar ‘El Callao’, uma ‘cidade’ conurbada com a capital e que possui quase um milhão de habitantes. As aspas na palavra cidade é porque Lima, na verdade, é o resultado de união de várias localidades que possui uma definição política entre ‘cidade’ e ‘bairro’. Explico. Lima é uma cidade sub-dividida em várias regiões chamadas de ‘municipalidades’. Podemos encarar cada uma delas como bairros, mas com algumas diferenças em relação as cidade brasileiras. Lá cada municipalidad tem a sua própria prefeitura. Mesmo assim, estas regiões não chegam a ser cidades, já que os ‘alcades’ ou ‘prefeitos’ não possuem autonomia e precisam se reportar a Municipalidad Metropolitana de Lima, que coordena toda a região metropolitana.

É muito interessante ver isto na prática. Assim como na teoria, as municipalidades são muito diferentes dos bairros das cidades brasileiras. As características próprias de cada uma são perceptíveis. Por exemplo, no Brasil você não percebe quando está mudando de um bairro para o outro. Lá tal distração é impossível. Isto porque quando você troca de municipalidade tudo muda – a cor do meio-fio, as placas em cada esquina, os tipos de jardins e etc... Além disto, toda divisão de municipalidad é muito bem sinalizada por meio de grandes letreiros, informando onde você está entrando.

Callao também é uma municipalidad, mas possui uma peculiaridade. Localizada nos limítrofes norte da capital, a cidade tem autonomia política de Lima. É em Callao que ficam as principais plataformas logísticas do Peru. O seu porto é o mais antigo das Américas e serviu como importante meio para o transporte das riquezas dos Incas a Europa. Hoje, Callao também é sede do principal aeroporto do Peru, o Internacional Jorge Chávez.

Como já disse, íamos para Miraflores, a municipalidad mais rica e famosa de Lima. A maioria dos restaurantes, hotéis, shoppings, cassinos, e outros lugares de diversão estão sediados lá. Conseqüentemente, Miraflores também tem bons albergues. De imediato fomos em um indicado por um costariqueño que conhecemos na Bolívia. Logo na entrada deu para ver que não era uma boa, já que a sua desorganização e falta de limpeza se destacavam. Além disto, eles não possuíam quartos ou banheiros privados. Como estávamos em quatro, para nós não compensava ficar lá já que poderíamos arrumar um lugar melhor por praticamente o mesmo preço. Deixamos nossa bagagem lá e saímos com a intenção de procurar outro.

Antes, porém, precisávamos almoçar. Foi então que agradeci a DEUS por estar em uma cidade cosmopolita. Em uma praça pertinho de onde estávamos, um grande cartaz anunciava “feijoada brasileira” a apenas uma rua de distância. Quase chorei ao ver aquilo, já que não comia bem há muito tempo. Ou melhor, a comida tanto da Bolívia quanto do Peru não é ruim, mas é diferente da nossa e eu estava enjoado de qualquer coisa que não fosse arroz e feijão.

Entramos no restaurante e logo vimos que era cheio de estereótipos brasileiros, com cartazes de morenas, praias do Rio de Janeiro, Cristo Redentor, e etc... Para mim isto não importava, pois estava com o foco voltado para a ‘bóia’. A feijoada era muito cara e tive medo de estragar o meu inconstante estômago. Assim, pedimos todos um PF, que vinha arroz, feijão preto, bife, ovo frito e farinha. Não há palavras para relatar a nossa emoção quando colocamos a primeira garfada na boca.

Com a barriga cheia em grande estilo, fomos procurar outro albergue. Na avenida Larco, a principal de Miraflores, havia algumas opções. Logo na primeira tentativa notei que não iríamos ficar no primeiro albergue, já que este aparentava ser muito melhor. O rapaz da recepção, muito esforçado e simpático, lamentou por não ter vagas para os três dias, mas garantiu que poderíamos ficar duas noites lá e que, depois, nos arranjaria outro albergue bom e barato. Foi o suficiente para a gente aceitar. O problema, então, foi voltar e dizer para o cara do outro albergue que não iríamos ficar lá. Sobrou para o bobão aqui enfrentar o peruano (rs).

Precisamente naquele momento, o nosso albergue tinha um problema que nos impedia de tirar um cochilo antes de sair para conhecer a cidade. Desde que pusemos o pé lá, o cheiro forte de detetização dominava o ambiente. O rapaz aconselhou a gente guardar as nossas coisas no quarto e ficarmos algumas horas na rua.

A minha vontade de descansar no início da tarde era grande, mas me contentei em ir até a costa ver o mar mais de perto. Saímos e caminhamos as dez quadras (mais ou menos) até lá. Todos estávamos com muita expectativa. Também fomos avisados que ali, bem ao lado do mar, havia um grande shopping center chamado Larcomar. Quando, enfim, chegamos ao final da avenida Larco tivemos uma pequena decepção. Para ter contato com o mar era necessário descer uns 30 metros, já que a praia ficava bem abaixo do restante da cidade, em um barranco.

Mesmo sem a altitude, os vários dias de viagem já me pesavam as costas. É claro, porém, que não deixaríamos de descer e conferir o mar de perto. Descemos uma avenida grande, que fazia o contorno por trás do barranco e descia até lá embaixo. Após meia hora de caminhada, atravessamos uma outra avenida, que contorna a parte baixa do litoral, e chegamos finalmente ao mar.

É bom enfatizar que havíamos chegado no mar, e não à praia. Mesmo porque não havia praia. A areia era mínima e as pedras pontudas dominavam a área, muito antes de onde morriam as ondas mais fortes. Além disto, o tempo nublado e o pouco de frio que fazia era suficiente para espantar qualquer pessoa dali, com exceção de alguns surfistas. Tivemos que fazer um malabarismo para ter contato com a água do mar.

Depois de uma boa caminhada pela costa, veio à hora de subir novamente para a parte alta. Não conheço Salvador, mas que falta faz, nestas horas, um elevador Lacerda. Desta vez fomos mais espertos e usamos uma escada construída, tipo passarela, para voltar. O esforço, contudo, não foi menor, e toda aquela caminhada fez com que pensássemos duas vezes antes de descer novamente até o mar. Mesmo porque se não dava para entrar, era melhor olhar de longe.

À noite decidimos conhecer o Larcomar e aproveitar para jantar. O detalhe interessante é que o shopping fica no final da avenida Larco, mas quem chega lá pensa que errou o lugar. Aconteceu conosco, já que não percebemos logo de cara que o shopping, na verdade, foi construído no meio do barranco, entre a parte alta e a baixa. Desta forma, ele fica inteiramente abaixo do nível da cidade. No local indicado pelo mapa há apenas as escadas rolantes que conduzem as pessoas para dentro do shopping.

A sua construção, porém, vale a visita. Totalmente aberto, o shopping é um local agradabilíssimo, tanto para fazer compras, comer, ou apenas ficar olhando as ondas do mar. A emoção veio à tona, novamente, quando chegamos na equipada praça de alimentação. Não deu outra, escolhi comer no Burger King. Apesar de toda a carga cultural que ganhamos nos últimos 21 dias, era muito bom estar diante de algo familiar.

Na volta ainda passamos em um bar que tinha como tema o futebol, com várias camisas expostas nas paredes e televisões passando programas esportivos em um ambiente bem agradável de pub. Local perfeito para brindarmos a chegada ao ponto derradeiro de nossa jornada.

Mapa do Caminho - Dia 21

Data: 24/06/2007
Cidade: Lima, Peru

Um comentário:

Rodrigo Alves disse...

O mais interessante e intrigante é chamarmos o Burguer King de algo familiar (é importante lembrar que a rede acabara de se instalar no Brasil há poucos meses e mesmo assim nos dava sensação de "home sweet home"). Este foi um dos momentos da viajem em que constatei e reafirmei o quanto nós, brasileiros de classe média, somos americanizados, assim como os limenhos em geral.

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