sábado, junho 14, 2008

Exaustão sob o Sol

Levantamos cedo, como de costume, e fomos tomar café para não nos atrasarmos para o passeio que faríamos até a Isla del Sol, uma ilha não muito longe de Copacabana. Tínhamos fechado com uma agência de turismo que operava com hotel, o que significava que teríamos transporte até o porto e economizaríamos energia. Naquele momento ainda não sabíamos, mas energia foi o que mais precisamos para conseguir completar a missão daquele suado dia.

Não demorou muito para embarcarmos em um barco não muito grande rumo a ilha. Havia a opção de irmos na parte debaixo, sentados nas cadeiras e apreciando a vista pela janela, ou em cima, a céu aberto e aproveitando o vento matutino. Ficamos com a segunda. A viagem demorou umas duas horas, já que o barco não era dos mais velozes e o ponto inicial do passeio era na parte norte da ilha (mais distante).

Deu para enjoar de tanto ver água. Quando se fica muito tempo em um barco, as pernas começam a coçar, pedindo ação. Foi justamente o que tivemos quando desembarcamos e iniciamos a parte terrestre do passeio.

A Isla del Sol lembra uma ilha vulcânica. A única parte que fica no nível do lago é o litoral. A partir daí se levanta uma grande montanha, formando a parte alta da ilha. Quando a montanha abaixa, chega a outra margem da ilha, praticamente sem um terreno plano entre a montanha e o lago. Nestes pequenos espaços de terra ‘baixa’, existem alguns povoados. Na viagem passamos por vários, já que fizemos a aproximação pelo sul e fomos contornando a ilha até o fim, no norte. Desembarcamos no último porto, do último povoado.

Logo no início, o guia nos recomendou comprar provisões em uma lojinha estrategicamente localizada ao lado do desembarque dos turistas, e seguir a trilha de pessoas subindo a montanha até a parte alta. Começamos a ‘via sacra’ seguindo aquela multidão de turistas, tendo a certeza de que seria ali que empenharíamos o maior sacrifício físico de todo o passeio. Estávamos longe da verdade.

Enquanto subíamos, aproximávamos dos quatro mil metros de altura em relação ao nível do mar, altitude da parte mais alta da ilha. De vez em quando, parávamos um pouco para tirar uma foto, ou recuperar o fôlego. Quanto mais subíamos, mais percebíamos que o cenário era insuperável. De cima dava para conferir bem o tamanho do Lago Titicaca e o brilhar do sol estridente na água azul. O céu estava bem azul, sem nenhuma nuvem, e o sol forte era mais um fator de desgaste do caminho.

Quando nos aproximamos do topo, um fato me deixou intrigado (para não falar humilhado). Havia uma escola bem no alto da ilha, e várias crianças chegavam tranqüilamente, caminhando na mesma trilha que nós. Fiquei imaginando que elas certamente sobem aquela montanha todos os dias. E nós imaginávamos que subir aquilo era apenas uma vez na vida (rs).

Já no topo da montanha, visitamos um museu e algumas ruínas incas. Não me lembro direito da explicação do guia, já que todas as forças do meu corpo estavam exclusivamente cuidando da minha respiração. Havia um lance de que os incas acreditavam que ali havia um caminho secreto que ligava a Isla del Sol a Cuzco, no Peru, a capital do império. É claro, nada a mais do que uma lenda interessante. As ruínas eram tipo um labirinto construído numa encosta de montanha, onde não dava para se perder, mas já podíamos visualizar algumas idéias magníficas de construções daquele povo.

No fim desta primeira parte do passeio, o guia nos deu duas opções: podíamos descer e esperar que o barco nos levasse a parte sul, ou então fazer a trilha que percorria o alto da montanha até lá, mais ou menos umas três horas de caminhada.

Perguntei ao guia se o caminho era difícil, já que iríamos sozinhos, e ele disse que não. “É só aquela pequena subida, depois e só descida”, garantiu. Com exceção da Marina que não estava muito bem, nós quatro optamos por continuar a trilha, já que assim aproveitaríamos melhor o passeio e, como o guia disse, não seria tão cansativo. O detalhe é que o guia nos enganou.

Até hoje fico pensando porque ele fez aquilo. Acho que pensou que se falasse a verdade, nos intimidaria a fazer o caminho. E, verdade seja dita, vale muito a pena caminhar pela trilha que liga a parte norte ao sul da ilha. O problema é que o caminho é um verdadeiro desafio físico para qualquer pessoa, principalmente para os que vivem ao (ou quase) nível do mar.

Realmente o início era uma pequena subida. Caminhamos logo para poder desfrutar a descida, como o guia falou. Não era difícil de acreditar naquela informação, já que, devido a subida estar bem à frente do restante da trilha (que é praticamente reta todo o tempo), não dava para nós conferirmos se havia, ou não, mais subidas. Apenas quando acabávamos de subir uma é que víamos o tamanho da próxima. E assim era toda a trilha. Uma grande subida seguida de uma descida que mal dava para nos recuperarmos.

A nossa expectativa em torno do percurso era que teríamos que descer uma hora, já que estávamos na parte alta da ilha. Isto era a esperança que nos movia. Se a dificuldade física da trilha já não fosse o bastante, tínhamos um tempo máximo para fazer o percurso, ou então perderíamos o barco de volta a Copacabana. O tempo, porém, era grande e dava para percorrer tudo tranqüilamente.

Não me lembro outro dia que fiquei mais cansado e desgastado como este em toda a minha vida. Havia momentos que o corpo simplesmente não respondia ao cérebro. O meu problema não era nem o desgaste das pernas, mas a dificuldade de manter um nível de respiração constante, que me desse à oportunidade de caminhar sem ter que parar a todo o momento. O desgaste juntamente com a altitude, contudo, exigia muito de nós e, a toda hora, desmoronávamos no chão, pensando que morreríamos de tanto ofegar.

Assim foi durante mais de três horas. Em três pontos da trilha há umas lojinhas vendendo água e comida. Compramos umas bananas para ver se nos davam força para chegar até o final. Assim que íamos chegando ao destino final, a trilha que era, em sua maior parte, deserta (com exceção de poucos turistas, ou vítimas, que toparam fazer a trilha), começava a entrar em um vilarejo, com algumas casas ao redor. Assim, as pessoas da região passavam a conferir o nosso sofrimento de perto e, gentilmente, nos davam forças para continuar, informando-nos que faltava pouco.

Depois que cruzamos o vilarejo, chegamos, enfim, na descida até o porto. O problema é que a descida é tão íngreme e nós já estamos em um estado tão deficiente, que descer a montanha foi tão difícil e desgastante quanto todas as inúmeras subidas e descidas que fizemos em todo o percurso. Ou seja, no final, não havia o ‘prêmio’ da descida, que tanto nos motivou durante a caminhada.

Quase no fim, a trilha entra no meio de um bosque, cheio de árvores e algumas construções antigas. Cruzando um portal, demos de cara com uma chola (mulher tipicamente andina) segurando uma llama e oferecendo o animal como transporte de carga, ou então servindo de ‘cenário’ para fotos. Os dois serviços eram, obviamente, pagos. Eu vinha na frente, quando a vi de costas para nós. Avisei silenciosamente aos outros que vinham atrás, e eles sacaram as câmeras para tirar fotos. Só que, no meio da ‘sessão’, não é que a chola percebeu e veio para cima de nós, gritando como se tivesse sido roubada? Todos ignoramos a mulher e nos apressamos em deixar ela falando sozinha.

Quando chegamos ao porto, ninguém conseguia ficar em pé. Compramos a maior coca-cola que havia, mas mal conseguíamos levar o copo à boca. Não demorou muito, embarcamos de volta à cidade.

Parecia que tudo conspirava contra nós. Depois de mais algumas horas de viagem no lago, chegamos a Copacabana e nos deparamos com mais algumas subidas para chegar ao hotel. Não conseguia pensar direito quando cheguei no quarto (segundo andar) e desabei na cama. Pensa que acabou o dia? Nada disto.

Descansamos um pouco e saímos para achar alguma empresa que poderia nos levar até Puno (no Peru, nossa próxima parada), já na manhã seguinte. Aproveitamos o sacrifício e fomos jantar. Tinha certeza de que seria minha última oportunidade, então pedi mais uma trucha a la plancha, para me despedir daquela simpática cidade e daquele alegre país. Um detalhe: estávamos apenas eu e o Rodrigo, já que as nossas colegas ficaram no hotel e, naquele momento, já deviam estar desfrutando o décimo sono.

Mapa do Caminho - Dia 11

Data: 14/06/2007
Cidade: Copacabana, Bolívia
Passeio: Isla del Sol

Um comentário:

Rodrigo Alves disse...

Descida nunca é recompensa, é a parte mais dolorosa de uma trilha desde que o mundo é mundo. Usamos músculos que nunca imaginamos que existissem, rs.

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