domingo, junho 15, 2008

Cruzando a fronteira andina

Enquanto arrumávamos nossas coisas, logo nos primeiros minutos da manhã, a tensão corria solta. Era visível na cara de cada um que logo estaríamos diante de mais um desafio nesta jornada. Desta vez, o que nos preocupava era a fronteira Bolívia-Peru, a vinte minutos de Copacabana. Mesmo parecendo uma coisa simples, cruzar aquela fronteira era sim uma situação de risco.

Com algumas informações coletadas ainda no Brasil, e com outras conseguidas no decorrer da viagem, percebemos que era realmente necessário um pouco de prudência. Isto porque, segundo vários relatos, existe um ‘esquema’ de policiais de fronteira peruanos para ‘pegar-emprestado-para-sempre-sem-pedir’ objetos e, até mesmo, dinheiro de turistas desavisados.

Segundo o que ficamos sabendo, havia vários casos de turistas que, assim que cruzavam a fronteira para o Peru, eram abordados por policiais e encaminhados a uma delegacia ali mesmo. Seguia-se, então, uma sessão de interrogatório, onde toda a bagagem da pessoa era aberta e revistada. Depois de algum tempo ela era liberada, mas, quando checasse a bagagem, notaria falta de algo de valor.

Não sou de ficar repassando mentiras, teorias da conspiração e nem mesmo alguma informação suspeita pela Internet. Por mais que este ‘esquema’ parece ser apenas mais uma invenção da rede, eu garanto que tínhamos vários motivos para acreditar. E, mesmo que, graças a DEUS, não tivemos problema algum, continuo aconselhando muito cuidado para quem for cruzar esta fronteira no futuro. Vale lembrar que este problema é localizado nesta fronteira, e a aparente ‘pilantragem’ é realizada apenas por alguns policiais de fronteira do Peru. Não se pode generalizar e atribuir estes infelizes acontecimentos a toda a policia peruana. Estamos cansados de saber que no Brasil também há alguns policiais corruptos, mesmo que a grande maioria da polícia seja composta de bons policiais. No Peru creio que seja a mesma coisa.

Arrumamos a bagagem para que não ficássemos com nada de valor em mãos. Tomamos o ônibus na praça principal de Copacabana. Foi a primeira vez que eu viajei em um ônibus que mantinha um guia dentro, orientando os viajantes. Para nós, a melhor opção era estarmos em um ônibus repleto de turistas, já que com vários ‘alvos’ o objetivo era passar despercebido.

Deixamos Copacabana rumo à fronteira. Durante o caminho, o guia nos avisou como era o processo de imigração peruano, mas, claro, não tocou em problema algum. Inclusive nos orientou a fazer câmbio de bolivianos para os soles peruanos ali mesmo, em uma casa de moeda ao lado da polícia de fronteira. É claro que não levamos a sério.

As pessoas que passaram pela incômoda situação nos aconselharam a nos manter sempre unidos, não sermos nem os últimos e nem os primeiros nas filas da imigração, não passar na frente da polícia de fronteira do Peru (não confunda policia de fronteira com imigração, são duas coisas distintas), não ficar exibindo objetos de valor, tal como jóias, mp3 players, celulares e outros, e, se abordado por algum policial, fingir que é gringo e que não fala nem espanhol e nem português.

O ônibus parou poucos minutos após ter deixado Copacabana. Era uma estrada que contornava um morro. Na fronteira, a pista fora interditada para melhor controle do tráfego. Antes de o ônibus seguir para o Peru, descemos todos com os documentos no bolso para encarar a imigração. Primeiro foi a imigração boliviana, onde entregamos uma folhinha preenchida lá na entrada do país e eles prosseguiram carimbando o passaporte para atestar que estávamos deixando o país.

Em seguida, andamos juntos até a casinha da imigração peruana, onde entregamos um formulário de imigração já previamente preenchido (o guia nos entregou no ônibus) que foi destacado pelo oficial e entregue uma parte de volta para nós (para ser entregue quando deixarmos o país). Logo em seguida, carimbou o nosso passaporte assinalando a data de entrada. Enfim, estávamos legal no Peru.

Ao deixar a imigração peruana, só nos restava voltar ao ônibus. Notamos que ele estava estacionado bem à frente da temida polícia de fronteira. Só que, ao contrário do que nos informaram, a porta estava virada para a estrada e não para eles. Aproveitamos a sorte e embarcamos rapidamente (sem aparentar pressa). Nesta hora estávamos muito felizes por conseguir concluir o processo sem demais complicações.

Quando o ônibus voltou a andar, já em solo peruano, o guia nos avisou que ali era uma hora a menos do que na Bolívia, que, por sua vez, era uma hora a mesmo que Brasília. Ou seja, estávamos duas horas a menos que Goiânia e a maior parte do Brasil. Foi aí que lembrei que, mais uma vez, entrávamos em um país sem ter uma nota do dinheiro local. Felizmente, desta vez, a viagem até Puno seria rápida e lá teríamos várias casas de câmbio a nossa disposição.

Puno tem tudo para ser uma bela cidade. Cercada por montanhas e ainda às margens do Lago Titicaca, a cidade se situa no meio de um cenário com potencial turístico fantástico. O problema é que Puno é muito mal cuidada. Por todo lugar que se anda há lixo espalhado pelas ruas. Entre o lago e a cidade, há uma espessa camada de musgo verde que acompanha todo ‘litoral’. Assim, a cidade nada mais é do que um lugar de passagem ente a Bolívia e Cuzco.

Ao descermos do ônibus na rodoviária, percebemos que o nosso guia poderia nos arrumar bons preços para as nossas futuras necessidades logísticas. As nossas colegas estavam enjoadas de Titicaca, então resolveram ir para Cuzco direto e chegar na capital Inca à noite. Eu e o Rodrigo resolvemos fazer o passeio à ilha de Urus, um povo indígena que tem uma cultura muito peculiar. Desta forma, fechamos com o guia tanto a viagem das meninas quanto o nosso passeio, além da nossa própria viagem até Cuzco, que sairia às oito da noite.

Com tudo marcado, fomos até o centro para comprar soles peruanos e almoçar. Acho que era o enjôo constante de ter de correr atrás de hotéis, empresas de ônibus, restaurantes e agências de turismo que fez com que entrássemos em um restaurante super-chique para almoçar. Ali, o ambiente era fino, a louça era aparentemente muito cara e os garçons usavam luvas. O preço era caro até para nós, felizes operários ganhadores em reais. É bom lembrar que no Peru a cotação nos desfavorece, já que o sol peruano vale bem mais que o boliviano.

Sem muitas opções, pedi uma pizza brotinho, já que era um dos poucos pratos não muito caro. Saindo do restaurante, nos separamos. As meninas pegaram um táxi para a rodoviária. Já que o nosso passeio era um pouco mais tarde, nós dois fomos dar uma volta para conhecer a cidade.

Ainda a 3.800 metros de altura em relação ao nível do mar, e com o sol de meio-dia bem em cima de nossas cabeças, cansamos logo de ficar perambulando por Puno e resolvemos seguir a pé até a rodoviária, já que o nosso passeio sairia de lá. Logo na chegada vimos que teríamos problemas, já que ninguém sabia informar onde tínhamos que nos apresentar. O horário do passeio foi se aproximando e tive a nítida impressão que o perderíamos, quando uma mulher da agência nos identificou e pediu que nós a seguíssemos.

Pegamos uma van e fomos até o porto, onde embarcamos em um barco amplo e bem conservado, rumo a ilha de Urus. Era um barco maior e muito mais veloz que aqueles de Copacabana. Desta forma, a nossa viagem pelo lago só durou uns quarenta minutos.

A ilha de Urus, na verdade, é composta de várias ilhas. Elas todas são ilhas artificiais, construídas pelos seus próprios habitantes. Conta à história que o povo de Urus foi expulso do continente e forçado a sobreviver no lago. Assim, eles desenvolveram uma técnica de construção de ilhas, usando matéria-prima local. Eram nestas ilhas que, desde então, eles vinham vivendo, anos após anos.

Este foi um dos passeios mais interessantes que fiz em toda a jornada. Já na chegada, algumas guaritas de observação davam ao local um toque de “Waterworld”. O barco foi atracado em uma destas ilhas e todos fomos saudados pelos Urus. Depois de várias explicações interessantes, que prenderam a minha atenção do início ao fim, pudemos caminhar livremente por parte da ilha para tirarmos fotos e observarmos. Também havia uma ‘ferinha’ de artesanatos, onde podíamos comprar lembranças. É claro, mesmo no meio do Titicaca o capitalismo também impera. Tanto que comprei uma escultura, paguei em soles e recebi um dólar de troco. Guardei como prova da intensa globalização.

Já era final de entardecer quando voltamos a Puno. De volta a rodoviária, o momento era propício para comermos alguma coisa e esperarmos o ônibus. É nestas horas que faz falta lanchonetes tipo Bob´s, McDonalds, Burger King, Giraffas, ou qualquer outro fast food. As rodoviárias bolivianas e peruanas geralmente não possuem local descente para alimentação. Durante a espera, o Rodrigo foi telefonar para a Erika, já que era seu aniversário e eu, de bicão, aproveitei os seus soles investidos no telefone para lhe desejar feliz aniversário.

Entramos na área de embarque da rodoviária meia-hora antes do horário. As empresas peruanas, assim como as bolivianas, têm o péssimo hábito de não colocar o número da plataforma nas passagens. Assim, nunca sabíamos direito de onde o ônibus saía. Neste caso, a falta deste ‘detalhe’ quase foi fatal. A rodoviária de Puno foi construída em forma de cruz andina, ou seja, em nenhum lugar que você fique dá para ver todas as plataformas. Um martírio para localizar o ponto exato de onde sairá o seu ônibus.

O tempo foi passando e fui ficando ansioso. Faltando cinco minutos (ou nem isto) para o horário tive, novamente, a sensação de que perderíamos o ônibus. Comecei a andar pela a confusa rodoviária já em meio a desespero. Foi quando achei o nosso ônibus, quase pronto para sair, atrás de onde estávamos. Saí correndo e fui chamar o Rodrigo. Quando chegamos de volta, confirmei ofegante com o motorista se era realmente o ônibus certo. “Para Cuzco?”, perguntei. “Sí”, me respondeu já de olho para engatar a marcha. Entramos e antes que pudéssemos nos acomodar em nossas poltronas, o ônibus arrancou rumo à velha capital Inca.

Mapa do Caminho - Dia 12

Data: 15/06/2007
Saída: Copacabana, Bolívia
Chegada: Puno, Peru
Distância percorrida no dia: 138 km
Empresa de ônibus: sem informação
Duração da viagem: +- 3h
Tarifa: sem informação

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