sexta-feira, junho 20, 2008

Enfim, a cidade perdida

Ainda era noite quando acordamos, pouco depois da seis da manhã. Em Aguas Calientes o sol demora a sair por causa das altas montanhas que se situam ao redor da cidade. O meu cansaço fez com que o sono fosse instantâneo. Apesar de ser um hotelzinho pequeno, o quarto e a cama eram muito boas. Nos aprontamos e subimos para tomar café.

Estávamos um pouco desconfiados do nosso guia, o Javier. No dia anterior, ele havia nos questionado para saber quem tinha documento de estudante. Quando nós compramos o pacote do passeio na agência, dois de nós informaram que possuíam a carteira de estudante internacional Isic, a única que dá meia entrada em Machu Picchu. Desta forma, o nosso pacote estava contando três entrada inteiras e duas meias. Javier nos disse que conseguiria passar todos como meia se tivéssemos qualquer documento de identificação de estudante.

O pior é que nós três tínhamos alguma carteirinha que poderia se passar por documento de estudante. Javier nos pediu para ficar com as carteirinhas um dia antes e não nos entregou mais. O problema maior é que ele não explicava direito o que queria fazer e, principalmente, quem ficaria com a diferença. Somente mais tarde é que ele explicou que a sua intenção era pagar um almoço a todos com o dinheiro que sobraria, pois a alimentação do segundo dia não estava incluída.

De manhã eu já previa um desconforto entre Javier e alguns de nós. Como eu havia feito as contas e vi que não sobraria nada para ele, deixei quieto e fiquei observando para ver no que dava. Ele nos explicou que isto era comum, que tinha contatos no santuário e garantiu que ninguém seria impedido de entrar nas ruínas. Todo o caso causou um desgaste imenso e, como fiquei na retaguarda, no final acabei sendo o único a passar como estudante. Verdade seja dita, a minha carteirinha era de estudante e era internacional, só que era de uma associação de estudantes de Goiás.

Enfim, deixemos os contra-tempos de lado, afinal estávamos a poucos minutos de Machu Picchu. Fomos até a praça principal da cidade de onde, bem ao lado, saíam as vans até Machu Picchu. O guia nos entregou a passagem e embarcamos. A empresa que fazia o serviço era muito boa, com carros novos, motoristas uniformizados e bancos confortáveis.

No total a subida dura uns 20 minutos. Não sei se expliquei direito nos dias anteriores, mas Machu Picchu fica a cerca de 600 metros acima de Aguas Calientes. Praticamente não há distância horizontal, só vertical. Um dia antes, durante o passeio a Mandor Pampa, Javier nos levou no lugar exato onde o explorador norte-americano Hiram Bingham avistou a cidade perdida pela primeira vez (em 24 de julho de 1911). Foi em um local perto da cidade, no caminho para Mandor Pampa, junto aos trilhos do trem. Hiram perguntou a um fazendeiro peruano se ele conhecia alguma ruína histórica e, daquele mesmo lugar, o rapaz apontou para cima mostrando Machu Picchu.

Quando Hiram perguntou se ele o poderia guiar até lá, o peruano se assustou e disse que ele estava loco, pois era uma subida muito complicada e o risco bem grande. Não valia a pena. Cerca de 96 anos depois, subimos até o sítio arqueológico por uma pequena estrada de terra, estreita, que de vez em quando a nossa van precisava encostar para que uma outra, que vinha em direção contrária, conseguisse passar.

O desembarque é bem na porta do único hotel existente em Machu Picchu. O Machu Picchu Sanctuary Lodge é um hotel cinco estrelas construído ao lado das ruínas. O preço não é para simples mortais como a gente. Lá dentro existe um restaurante tão caro quanto as diárias do hotel. Mais à frente, há uma lanchonete mais simples e, entre os dois, ficam as escadas que sobem até a entrada da cidade perdida.

Chegamos bem cedo, mas já havia uma boa quantidade de pessoas esperando para entrar. Fila para passar pela catraca, um monte de gringo, lanchonete seguida de um monte de mesas, e uma atração que envolve altura, todo este ambiente me fez sentir que estava em um parque de diversões. A sensação foi boa, porque gosto de parques. Já na fila, percebia que havia muitas nuvens baixas e torcia para que elas não atrapalhassem o cenário. Não atrapalhou.

Depois que o fiscal destaca o talão de entrada e você passa pela catraca, não se anime, você não chegou ainda. Existe uma pequena trilha de subida até o ponto alto do passeio. Creio que, ao todo, dá uns 200 metros, mas quando você atinge este ponto qualquer distância parece uma eternidade. Para piorar, a trilha é em meio à mata fechada, ou seja, até o final você não vê nem um pedacinho para matar a curiosidade. No entanto, depois de superado a trilha vem à recompensa - a visão tradicional de Machu Picchu, com toda a sua grandeza e esplendor.

É surpreendente. Principalmente porque você está lá, subindo aquele ‘maldito’ caminho, quando de repente as árvores se abrem e você dá de cara com a cidade perdida. Uma emoção inenarrável.

Circular por Machu Picchu é algo incomum. Como já escrevi neste blog, em um post horas depois de deixar as ruínas, a cidade te acolhe. É muito esquisito. Dizem que há muita energia positiva. Depois de visitá-la, não tenho alternativa a não ser acreditar.

Você está em um país distante, no alto de uma montanha, olhando o Rio Urubamba lá embaixo, com todos aqueles terraços e ruínas e, mesmo assim, se sente em casa. Pelo menos foi o que senti. Todo o meu desânimo do dia anterior passou em questão de minutos. Foi como se eu tivesse ido até o meu quarto e voltado para o Peru. Incrível.

Passamos a primeira hora do passeio ouvindo as explicações de Javier. Ele nos levou em todas as partes das ruínas e nos explicou a história do lugar, o que significava cada salão, a estrutura da cidade, enfim, nos passou as informações (como dizia a nossa velha amiga Tia Qéchua). Machu Picchu era dividida em três partes, a zona habitacional, a agrícola e a religiosa. É claro que na religiosa ficam os lugares mais interessantes. Bem no meio da cidade, em uma área de transição, há um jardim de inverno muito bonito, onde se pode descansar do passeio.

Logo ao lado deste jardim, há também uma grande área bem plana, com um gramado verdinho. Vendo aquele cenário, bateu uma vontade imensa de aproveitar o local para jogar futebol. É uma área especial - pelo fato de ser uma posição bem central e haver terraços altos em todas as direções, não dá para perceber a altura que você está em relação ao vale. Isto é importante para pessoas que, como eu, tem um pequeno medo de altura (rs.). É bom explicar que, em todo o passeio de Machu Picchu, apesar de vários pontos serem bem abertos, não deu um pingo de medo.

Depois da visita guiada, Javier se despediu e nos deixou com as passagens para voltar a Cuzco. Saiu visivelmente chateado com a história das carteirinhas, mas, enfim, ele teve a sua culpa no processo. A partir daí, a diversão começou. Foi como quando a professora do primário larga a turma de crianças para elas poderem brincar no parque. Rodrigo, Lucimeire e Marina optaram por subir o Huayna Picchu, aquela montanha famosa que aparece em todos os cartões postais de Machu Picchu. Como eu sabia que só ia passar medo e me cansar à toa, decidi explorar melhor as ruínas. Lorena me acompanhou.

Ficamos mais uma hora andando por Machu Picchu. Foi quando subi até o local onde se tiram as famosas fotos de do local, bem perto da entrada. O detalhe é que as ruínas da cidade perdida é um verdadeiro labirinto. Você mira um ponto para ir, mas gasta muito tempo até achar o caminho para chegar lá. Encontrei algumas llamas durante a caminhada e não perdi a chance de clicar. Já na melhor visão de todo o sítio arqueológico, sentei em um terraço e por lá fiquei mais de hora descansando, pensando e visualizando.

Foi difícil despedir de Machu Picchu. Como na entrada, deu a sensação de estar deixando um parque de diversões, cheio de brinquedos legais para se divertir. Uma última olhada no cenário, e encarei a trilha de volta até a lanchonete. Depois de esperar mais de meia hora para reunir com o restante do pessoal, em vão, eu e Lorena descemos de volta a Aguas Calientes.

Estava morto de fome, mas queria comer algo descente. Encontramos um bom restaurante que cobrava caro, mas tinha um buffet muito bom. Não pensei duas vezes, já que naquele dia valia tudo. Era self-service e naquela altura da jornada já estava enjoado de comer ‘a la carte’. Descobri que não há nada melhor do que você servir a própria comida, pois dá para pegar só aquilo que mais te apetece, já que é possível ver a cara de cada prato. No sistema ‘a la carte’, muitas vezes você escolhe um prato que te dá vontade na hora, mas quando chega você não vai com a cara da comida.

Alimentados, fomos dar uma última volta na cidade. Há uma estátua maravilhosa do Inca na praça principal e, é claro, não poderia passar sem tirar fotos. Fomos também em um mercado, perto da ferroviária, fazer compras. Tive uma aula de zampoña (um instrumento de sopro típico do Peru) de uma vendedora que insistiu em me ensinar a soprar certo. No final a estratégia deu certo, já que fiquei sem graça e comprei o instrumento.

Nos reencontramos todos no hotel. Arrumamos nossas coisas e, pouco antes das cinco da tarde, rumamos para pegar o nosso trem. A estação é muito bem arrumada, parece até que estávamos na Europa (mesmo sem nunca ter ido na Europa, mas creio que não deve ser muito diferente). Embarcamos e, assim que entrei no vagão, levei um susto. Lembra daqueles bancos horríveis, que ficam um virado para o outro e não há espaço para os dois passageiros colocarem as pernas? Na minha frente uma mulher francesa levava uma criança, já não tão criança, no colo. Já pensava que teria uma viagem daquelas, espremido contra o meu assento, quando um dos atendentes chamou a mulher e lhe informou que atrás havia dois lugares vagos. Sorte é sorte, e me deu a oportunidade de vir com minhas pernas esticadas durante todas às quatro horas de viagem de volta a Cuzco.

Já era mais de oito da noite quando o trem entrou em processo de descida. Foi no mesmo esquema da ida, com o trem andando para frente e de ré. Quando desembarcamos em Cuzco, vimos os dois rapazes peruanos da nossa agência que tinham ido nos pegar para nos conduzir ao hotel. E eu que pensei que eles não lembrariam da gente. Nesta hora eu estava muito curioso, querendo me informar sobre o resultado de Grêmio X Boca Juniors, que decidiam a Libertadores, no Olímpico, em Porto Alegre. Mal cheguei no hotel, corri para a Internet a fim de acompanhar os minutos finais no Placar UOL. Já havia passado dos 40 minutos do segundo tempo e, assim como na primeira partida, o Boca goleava o tricolor gaúcho. Eram os últimos minutos de um dia inesquecível.

Mapa do Caminho - Dia 17

Data: 20/06/2007
Saída: Aguas Calientes (Machupicchu Town), Peru
Chegada: Cuzco, Peru
Distância percorrida no dia: 112 km
Empresa de ônibus: Peru Rail
Duração da viagem: +- 4h
Tarifa: US$ 35,50

2 comentários:

Rodrigo Alves disse...

Só uma reparação: "Quase não há distância horizontal, mas há muita distância vertical". Foi o melhor dia da viagem.

Eduardo Sartorato disse...

Erro já verificado e corrigido!! rsrs!! Isto que dá escrever depois de quase quize hora de trabalho!! Valeu, rapaz!!

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