quinta-feira, junho 19, 2008

Aos pés do Santuário

Tive uma noite de cão. Logo que me deitei, meu estômago começou a doer e eu, como estava muito cansado, preferi ignorá-lo e dormi. Acordei algumas vezes durante a noite, com desconfortos. Tomei uns remédios que estavam próximos à cabeceira da cama e voltei a dormir.

Quando acordei no outro dia estava melhor, mas foi só me colocar de pé que o estômago se manifestou impiedosamente. Eu não poderia me dar ao luxo de ficar dando muita atenção para o meu estado, já que precisava arrumar as minhas coisas e embarcar para Aguas Calientes, a cidade mais próxima a Machu Picchu.

O pessoal da agência nos buscaria no hotel e o trem sairia pontualmente, então não podíamos nos atrasar. Começamos a mobilização para estar tudo pronto logo. Não tínhamos muito tempo e ainda precisávamos acabar de arrumar tudo e acertar as diárias do hotel. Foi uma confusão só.

A dor ia e vinha, mas quando coloquei o pé na soleira da porta para sair do quarto ela veio impressionantemente forte. Estava meio tonto quando acertei a minha conta com o rapaz do hotel. Pedia a DEUS para melhorar logo, já que estávamos prestes a embarcar. ELE, é claro, me ajudou mais uma vez.

Quando o pessoal da agência chegou, fomos logo colocando tudo nos carros. Haviam trazido dois carros grandes, para caber tudo e todos. Eram dois peruanos muito simpáticos, que nos atendeu com prazer. Antes de entrar no carro, um deles me deu um envelope grosso para entregar ao guia, em Aguas Calientes. Achei muito estranho ele confiar isto a mim, já que dentro havia todo o ‘suporte’ necessário para o nosso passeio (além de passagens e guias de reservas, também havia uma boa quantia em dinheiro).

Estava bem melhor, mas tinha muito medo da dor voltar. A dupla de peruanos nos deixou na estação de Cuzco, e fomos logo procurar o nosso trem para não atrasarmos. Javier (nome fictício), o nosso guia, foi um dia antes e nos esperaria na estação. Logo que entramos no vagão, vimos porque que a nossa classe era chamada de ‘backpacker’ (mochileiro). Os bancos, além de não serem muito confortáveis, eram virados uns para os outros, tipo transporte coletivo, quando você vai olhando para a cara da pessoa à sua frente que, por sua vez, vai de costas para o motorista.

Não tinha nenhum problema em passar quatro horas olhando para a cara de um estranho, o grande incômodo foi o pequeno espaço para por as pernas que, nesta situação, era compartilhado com o ‘meu companheiro’ de viagem. Preciso dizer que mal cabiam as minhas pernas, quanto mais as minhas e as da outra pessoa? Enfim, pensamento positivo, eram apenas quatro horas.

Logo na saída de Cuzco uma situação engraçada que me lembrou alguns relatos de viagens que eu li antes de iniciar a jornada. Lembra-se quando disse ontem, que para chegar ao Vale Sagrado precisávamos subir uma grande montanha? E lembra-se também que eu expliquei que a linha do trem percorria todo o Vale Sagrado, margeando o rio Urubamba? Então, para chegarmos ao vale, primeiro, tínhamos que encarar uma boa elevação. Para um carro é fácil, agora para um trem.....

Os peruanos, porém, fizeram um sistema muito legal para subir a montanha. Não sei se o ‘esquema’ existe em outros lugares (posso até estar falando de algo comum em engenharia ferroviária, não sei), mas foi muito interessante presenciar aquilo. A estratégia de subida era composta de vários trilhos, em diversos níveis de altitude. O trem andava uma longa linha reta, já na encosta da montanha e, quando chegava no final dos trilhos, eles comutavam a linha de ferro para outra, um pouquinho mais alta. O trem, então, voltava nesta nova linha, só que agora de marcha ré. E assim ficava indo, para frente e para trás. Dentro do trem, nós só notávamos que estávamos subindo quando olhávamos pela janela e via Cuzco cada vez mais abaixo. O processo todo durou uns 40 minutos.

O trem logo chegou ao Rio Urubamba e, a partir daí, pudemos conferir o Vale Sagrado de perto. A paisagem era mais bonita vista de cima das montanhas, mas, desta vez, pudemos conferir os detalhes. O rio é um pouco extenso, mas não chega aos pés dos grandes rios brasileiros.

Logo que passamos a andar só para frente, uma atendente (treno-moça, será que é isto?) nos entregou um cardápio. Mesmo viajando em um lugar desconfortável, havia serviço de bordo. O problema é que os preços eram absurdamente caros. Como para mim ter o meu estômago saudável não tem preço, pedi um mate de coca. Mesmo não tendo comido nada desde quando acordei, não tinha fome e nem estômago para algo mais além do chá.

Alias, não era só o serviço que era caro. A passagem do trem até Aguas Calientes é um desrespeito com o turista. Foi o quilômetro rodado mais caro (ver quadro abaixo) que pagamos em toda a jornada, para ficarmos em uma posição desconfortável por quatro horas. Assim como na Bolívia, os serviços férreos no Peru também são privatizados e as empresas elevam o preço para lucrar em cima dos gringos que pagam em dólares ou euros. Para nós, que ganhamos em reais, o preço é alto. Soma-se ainda que o trem é a única opção (fora a Trilha Inca, que se vai a pé) de chegar até Machu Picchu. Resumo: empresa privada mais monopólio é igual a clientes explorados. Ah, que saudades do Trem da Morte! (rs).

Na minha frente havia uma dupla de gringos, mais precisamente pai e filho. Eles conversavam em inglês bem baixo, mas às vezes dava para entender. Meu chá chegou bem quente e com muito pouco açúcar. Foi aí que agradeci a minha experiência de La Paz (leia mais abaixo) e tomei sem problemas, bem devagarinho.

À medida que íamos nos aproximando do final da viagem, o Vale Sagrado ia se estreitando. Lembro-me que Ollantaytambo foi à última cidade antes do grande afunilamento do vale. É mais ou menos nesta região que descem as pessoas que vão fazer a trilha inca. Do trem deu para ver algumas pessoas subindo as grandes montanhas paralelas, rumo ao caminho até Machu Picchu. Como nós havíamos decidido não fazê-lo (desde o Brasil, já que este é um passeio que se marca com MUITA antecedência, pois há limite de pessoas por dia na trilha), seguimos de trem.

Após Ollantaytambo as montanhas aumentam de tamanho e o Vale Sagrado se resume a poucos metros de terra margeando o Urubamba. Nesta hora começam os túneis, único jeito do trem ultrapassar toda aquela quantidade de terra. Foram vários túneis, que indicavam também que estávamos bem próximos do destino final.

Quando deixei o trem, desembarcando na estação de Aguas Calientes, pude perceber bem o ‘buraco de topeira’ onde tínhamos nos enfiado. Toda a região, a cidade, o rio, as ruas, eram envoltos em sombras, por praticamente todo o dia. Isto porque o espaço para todas estas coisas era pequeno e as montanhas eram muito altas. Para ver o cume de qualquer uma destas verdadeiras barreiras, que cercavam todos os lados da cidade, era necessário erguer bem a cabeça. Coisa linda.

Aguas Calientes, também conhecida internacionalmente como Machupicchu Town, não é só a cidade mais perto das ruínas da famosa cidade perdida dos Incas, como possui também uma reserva de águas termais, a estilo de Caldas Novas-GO. Aliás, o próprio nome já diz que estar por lá é poder desfrutar de relaxantes banhos quentes, em um ambiente que geralmente é frio.

Logo na saída da estação encontramos o nosso guia, Javier, nos esperando. Ele nos levou até o nosso hotel, e marcou um horário para a gente almoçar. Não estava com fome, pois o meu estômago ainda me incomodava um pouco, mas, sem comer nada sólido até aquele momento no dia, decidi que deveria tentar comer um pouco.

É bom lembrar que os dois dias de passeio já estavam pagos (as passagens de trem, hotel, refeições, entradas, etc...). Assim, fomos a um restaurante escolhido pelo guia e lá contamos com um almoço ‘pré-pago’. Não sabia o que seria melhor para mim comer, e acabei optando por Lomo Saltado. Só depois que eu percebi o tamanho do meu erro, pois o prato era feito com carne de porco e uma porção significava muita comida. Tomei a sopa de entrada, mas não consegui comer quase nada do prato principal, que voltou quase intacto. Não sabe a dor no coração de fazer isto em meio a uma sociedade tão carente como a andina. Infelizmente, porém, não queria correr risco de um novo problema estomacal no meio do passeio.

Logo depois do almoço partimos para a primeira parte do passeio, que era a visita a Mandor Pampa. É bom explicar que quando eu apresentei este pacote a todo o grupo, ainda no planejamento da viagem, mostrei a todos que ele seria interessante pelo fato de podermos ir um dia antes a Aguas Calientes, dormir por lá, e chegarmos a Machu Picchu de manhã bem cedo. Isto porque quem faz o passeio de um dia até o santuário, sai de Cuzco de manhã e só chega em Machu Picchu perto do meio-dia. Ou seja, o que quero mostrar é que a visita a Mandor Pampa, no primeiro dia, era um mero detalhe.

Até porque descobrimos, no decorrer do passeio, que Mandor Pampa pouco acrescentou em nossas vidas. A região de Aguas Calientes é uma área de transição dos Andes para a floresta Amazônica. Isto se deve a baixa latitude e a altitude que também já não é muito alta (1.800 metros acima do nível mar, apenas um pouco mais que Campos do Jordão-SP). Assim, o passeio de Mandor Pampa é para que turistas, principalmente, do hemisfério norte, que não possuem árvores, plantas e frutas típicas das regiões tropicais. Nenhuma novidade para gente. Tanto que toda vez que o guia nos mostrava uma orquídea ou um mamão papaia, apenas alguns exemplos, a Lucimeire não perdia a oportunidade de contar que ela tinha tudo isto no quintal. Apelidamos, assim, a sua casa de Mandor Pampa.

De qualquer forma, o passeio foi muito cansativo. Tivemos que andar por um caminho estreito, pela linha férrea, com pouco espaço entre os trilhos, o rio e a montanha, no meio de britas e por vários quilômetros. Chegando em Mandor Pampa, que na verdade é o nome da fazenda, ainda fizemos uma trilha pesada para ver uma cachoeira. Pelo tanto que eles falavam dela, parecia uma nova Catarata do Iguaçu, mas, na verdade, eu já tomei banho em cachoeiras maiores. O único detalhe interessante é que sua água era MUITO gelada, pois nada mais é que fruto do derretimento das geleiras dos Andes. Mais à frente, aquele pequeno rio se desemboca no Rio Amazonas.

Quando chegamos de volta a Aguas Calientes, já não agüentava mais. Todo aquele cansaço acumulado, juntamente com os constantes problemas estomacais e uma agenda ainda muito cheia por vir fizeram sentir vontade de voltar para casa o mais rápido possível. Todos estes fatores contribuíram decisivamente para que não sentisse nenhuma expectativa de estar a apenas algumas horas de conhecer Machu Picchu.

Já à noite, fomos até as águas termais para poder relaxar um pouco. Para mim foi maravilhoso ter um momento de sossego. O problema foi sair de uma piscina extremamente quente e ir se trocar no vestiário, a algumas dezenas de metros dali, em meio a um frio de trincar. Partimos dali direto para o hotel, pois precisávamos dormir para o grande dia que, finalmente, havia chegado.

Mapa do Caminho - Dia 16

Data: 19/06/2007
Saída: Cuzco, Peru
Chegada: Aguas Calientes (Machupicchu Town), Peru
Distância percorrida no dia: 112 km
Empresa de ônibus: Peru Rail
Duração da viagem: +- 4h
Tarifa: US$ 35,50

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