terça-feira, setembro 05, 2006

O Mundo das Aparências

Havia tão pouco tempo que eu estava por ali, mas já notava algo de anormal. Entrava e saía por aquela porta e ninguém nem “tchum”. Isto mesmo, ninguém não estava nem aí para mim. Não queria saber se estava bem, se precisava de ajuda, se estava feliz, ou se estava triste, grilado ou contente, com frio ou com calor. E olha que havia duas ou três pessoas por ali, paradas, vigiando o dia inteiro. Tudo o que eles faziam eram observar, mas de uma forma que os seus olhares me perfuravam em vários pontos, e suas vistas iam buscar um ponto do outro lado da calçada.

Por ali passei várias vezes. Nunca cruzei tanto uma porta quanto aquela, nas poucas horas que estive naquele local.

Era noite. Naquele crepúsculo eu precisava ficar um tempo estacionado, em frente a aquela porta, do lado de fora. A passagem que dava acesso era estreita, e uma obra logo a frente dizia que não era um bom lugar para ficar parado. Mesmo porque o trânsito de pessoas era muito grande. Ora, mas preciso ficar esperando aqui e vou – pensei. É claro que minha presença naquele pequeno espaço causou confusão. Olhei para trás, vi os vigias que conversavam animadamente entre eles. É agora – animei.

O plano era simples. Ficar ali parado num lugar tão pouco propício seria motivo para chamar-lhes a atenção. Seria a minha vingança contra o desprezo sufocante típico daquele lugar. Não que eu quisesse algo, pelo contrário, apenas me surpreendia com a frieza que tudo era encarado por ali. Inclusive os seres humanos. E eu queria tirar a prova e descobrir se tinha me tornado mesmo um Gasparzinho, ou se era apenas a minha impressão.

Lugar pior não havia, mesmo assim fiquei por ali. No mesmo instante, um daqueles guardas virou na minha direção e disse – Ei, aí não!! Ahá, deu certo!! Até que enfim consegui modificar aquela rotina e aquele individualismo preponderante. Não sou um fantasma!!

Quando virei para me desculpar e lhe dar garantias de que não ficaria mais ali, percebi que o vigia não olhava para mim. Pelo contrário, quase me derrubou no intuito de chegar mais rápido e solucionar de vez o seu problema. Era um taxi que entrava em um local proibido. Putz, que tragédia!! Nada me restou além de esperar. Fiquei mais de meia hora naquele local e nada. Já ficava tarde e ninguém me notava. A única coisa que eu fazia era desviar das pessoas que passavam por ali, pois senão elas me levariam consigo, com se fosse apenas um objeto. É isso, perdi.

Era um dia especial, e por isto precisava me vestir bem. Camisa para dentro, calça social, cinta aparecendo e sapato com meias finas. Perfeito. Estava bem vestido. Um pouco de perfume e estava pronto para descer.

A porta se aproximava. Eu estava tão perdido em pensamentos que nem percebi. Bem vestido, finalmente comecei a me sentir bem no meio de pessoas com ternos e camisas de seda, típicas daquele lugar. Fiquei pensando nisto. Mesmo porque, dentro daquele mar de indiferença, a única coisa que tinha comigo eram os meus pensamentos.

A porta se abriu automaticamente, como sempre. – Precisa de táxi, senhor? – me surpreendeu um dos vigias. Não acreditei. Passei por aquela porta mais de uma dúzia de vezes nas últimas 24 horas e nenhuma palavra. Quase impedi o fluxo de pessoas, e nada. E agora, isto.....

Não me entreguei, arrumando a gola da minha camisa, continuei o passo sem um único desvio. – Não, obrigado - disse apenas, e dobrando a esquina rumei para o metrô.

8 comentários:

Ana disse...

Olha você não é invisivel, aquelas pessoas é que estão cegas.

Na verdade a maioria de nós estamos, presos em um mundo individual. Por um minuto eles estavam na sua vida e você fora da deles.

SOmos jornalistas. Em jornalismo investigativo, em dos muitos artigos diz que a boa matéira esta presente em qualquer lugar. Então seus olhos estavam abertos...

Did disse...

Você... desse tamanhão e ninguém percebeu???? Duvido! :p

Que nada... hoje em dia é assim mesmo, se vc não faz parte da corja de granfinos metidos e sem graça não é notado... não deveria ser assim, mas fazer o que? eh soh pensar que eles merecem o nosso desprezo por terem as cabecinhas tão vazias.
Bjao
Did

Anônimo disse...

Fiquei intrigada: essa história é real????? Nossa, queria que fosse comigo!!! As vezes tudo que quero é ser invisível. Bom, invisível para pessoas que não me dizem respeito, é claro. Mas visível para meus amigos, minha família... Mas como assim vc invisível? É como a música "impossível te ver sem te notar!"...hehehe. Beijão!

Hebert Regis disse...

Gostei muito do texto!! Um dia estava eu a pensar nos ônibus da vida. São tantas as pessoas que esbarramos. No fundo, desejamos que estas pessoas passem, sem ao menos perguntar as horas ou pedir informação. Afinal, os nossos pensamentos são mais importantes que as histórias dos outros. Pensamos assim. E infelizmente, somos como as pessoas deste hotel, que querem ser importunadas o mínimo possível. Somos como eles!!!

Fellipe Fernandes disse...

Olha, esse é um "texto-eduardo" que não estamos acostumados a ver aqui no blog, mas que sempre me trouxe boas surpresas! Me senti em cada passo, em cada lugar, nos olhares (ou falta deles)... Dua, concordo com o Hebert: quer melhor companhia que nossos pensamentos? mesmo que eles nos preguem algumas peças em algumas vezes??? Mas acredito que você podia ter sido pelo menos mais sensível e não ter agido da mesma maneira como eles te trataram! eu teria aceitado o taxi e teria sorrido, agradecido e dado uma gorgeta! kkkkkkkkkk mas, enfim... vc é vc! já te disso isso centenas de vezes, né? o resto? é apenas o resto! falou, velho! abraço.

Rainer Sousa disse...

Como os mesmos desta terra diriam: "Puta foda , meu !!!"

Um abraço !!!

Anônimo disse...

Nossa que texto bacana. Não sei vc tem consciência, mas escreveu uma crônica no melhor estilo jornalismo literário. Muito Legal.

Anônimo disse...

A porta que abre e fecha? Sem ser notado? Também a conheci... a invisibilidade nessa cidade é estranha... Somos meros fantasmas para as pessoas que não nos conhece... Felizmente temos amigos para nos mostrar que existimos sim e que deixamos nossa marca por onde passamos. Saudades de você!!! Bjão!!!

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